(UNESP/2011)
As questões de números 01 a 05 tomam por base o seguinte fragmento do diálogo Fedro, de Platão (427-347 a.C.).
SÓCRATES: – Vamos então refletir sobre o que há pouco estávamos discutindo; examinaremos o que seja recitar ou escrever bem um discurso, e o que seja recitar ou escrever mal.
FEDRO: – Isso mesmo.
SÓCRATES: – Pois bem: não é necessário que o orador esteja bem instruído e realmente informado sobre a verdade do assunto de que vai tratar?
FEDRO: – A esse respeito, Sócrates, ouvi o seguinte: para quem quer tornar-se orador consumado não é indispensável conhecer o que de fato é justo, mas sim o que parece justo para a maioria dos ouvintes, que são os que decidem; nem precisa saber tampouco o que é bom ou belo, mas apenas o que parece tal – pois é pela aparência que se consegue persuadir, e não pela verdade.
SÓCRATES: – Não se deve desdenhar, caro Fedro, da palavra hábil, mas antes refletir no que ela significa. O que acabas de dizer merece toda a nossa atenção.
FEDRO: – Tens razão.
SÓCRATES: – Examinemos, pois, essa afirmação.
FEDRO: – Sim.
SÓCRATES: – Imagina que eu procuro persuadir-te a comprar um cavalo para defender-te dos inimigos, mas nenhum de nós sabe o que seja um cavalo; eu, porém, descobri por acaso uma coisa: “Para Fedro, o cavalo é o animal doméstico que tem as orelhas mais compridas”…
FEDRO: – Isso seria ridículo, querido Sócrates.
SÓCRATES: – Um momento. Ridículo seria se eu tratasse seriamente de persuadir-te a que escrevesses um panegírico do burro, chamando-o de cavalo e dizendo que é muitíssimo prático comprar esse animal para o uso doméstico, bem como para expedições militares; que ele serve para montaria de batalha, para transportar bagagens e para vários outros misteres.
FEDRO: – Isso seria ainda ridículo.
SÓCRATES: – Um amigo que se mostra ridículo não é preferível ao que se revela como perigoso e nocivo?
FEDRO: – Não há dúvida.
SÓCRATES: – Quando um orador, ignorando a natureza do bem e do mal, encontra os seus concidadãos na mesma ignorância e os persuade, não a tomar a sombra de um burro por um cavalo, mas o mal pelo bem; quando, conhecedor dos preconceitos da multidão, ele a impele para o mau caminho, – nesses casos, a teu ver, que frutos a retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?
FEDRO: – Não pode ser muito bom fruto.
SÓCRATES: – Mas vejamos, meu caro: não nos teremos excedido em nossas censuras contra a arte retórica? Pode suceder que ela responda: “que estais a tagarelar, homens ridículos?
Eu não obrigo ninguém – dirá ela – que ignore a verdade a aprender a falar. Mas quem ouve o meu conselho tratará de adquirir primeiro esses conhecimentos acerca da verdade para, depois, se dedicar a mim. Mas uma coisa posso afirmar com orgulho: sem as minhas lições a posse da verdade de nada servirá para engendrar a persuasão”.
FEDRO: – E não teria ela razão dizendo isso?
SÓCRATES: – Reconheço que sim, se os argumentos usuais provarem que de fato a retórica é uma arte; mas, se não me engano, tenho ouvido algumas pessoas atacá-la e provar que ela não é isso, mas sim um negócio que nada tem que ver com a arte. O lacônio declara: “não existe arte retórica propriamente
dita sem o conhecimento da verdade, nem haverá jamais tal coisa”.
(Platão. Diálogos. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.)
01) Neste fragmento de um diálogo de Platão, as personagens Sócrates e Fedro discutem a respeito da relação entre a arte retórica, isto é, a arte de produzir discursos, e a expressão da verdade por meio de tais discursos. Trata-se de um tema ainda atual. Aponte a única alternativa que expressa um conteúdo não abordado pelas duas personagens no fragmento.
A) A produção de bons discursos.
B) A formação do orador.
C) A natureza da Filosofia.
D) O poder persuasivo da oratória.
E) A retórica como arte de criar discursos.
02) Após uma leitura atenta do fragmento do diálogo Fedro, podese perceber que Sócrates combate, fundamentalmente, o argumento dos mestres sofistas, segundo o qual, para fazer bons discursos, é preciso
A) evitar a arte retórica.
B) conhecer bem o assunto.
C) discernir a verdade do assunto.
D) ser capaz de criar aparência de verdade.
E) unir a arte retórica à expressão da verdade.
03) … para quem quer tornar-se orador consumado não é indispensável conhecer o que de fato é justo, mas sim o que parece justo para a maioria dos ouvintes, que são os que decidem; nem precisa saber tampouco o que é bom ou belo, mas apenas o que parece tal ...
Neste trecho da tradução da segunda fala de Fedro, observase uma frase com estruturas oracionais recorrentes, e por isso plena de termos repetidos, sendo notável, a este respeito, a retomada do demonstrativo o e do pronome relativo que em o que de fato é justo, o que parece justo, os que decidem, o que é bom ou belo, o que parece tal. Em todos esses contextos, o relativo que exerce a mesma função sintática nas orações de que faz parte. Indique-a.
A) Sujeito.
B) Predicativo do sujeito.
C) Adjunto adnominal.
D) Objeto direto.
E) Objeto indireto.
04) Não se deve desdenhar, caro Fedro, da palavra hábil, mas antes refletir no que ela significa.
Nesta frase, Sócrates, para rotular o tipo de discurso que acaba de ser sugerido por Fedro, emprega palavra hábil com o sentido de
A) discurso prolixo e ininteligível.
B) pronúncia adequada das palavras.
C) habilidade de leitura.
D) expressão de significados contraditórios, absurdos.
E) discurso eficiente em seus objetivos.
05) … que frutos a retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?
Esta passagem apresenta conformação alegórica, em virtude do sentido figurado com que são empregadas as palavras frutos, recolher e semeou. Aponte, entre as alternativas a seguir, aquela que contém, na ordem adequada, palavras que, sem
perda relevante do sentido da frase, evitam a conformação alegórica:
A) alimentos – colher – plantou.
B) resultados – produzir – prescreveu.
C) lucros – contabilizar – investiu.
D) textos – apresentar – negou.
E) efeitos – causar – menosprezou.
RESOLUÇÃO:
01) Considerando os temas propostos nas alternativas, o único que não aparece no diálogo é a “natureza da filosofia”.
Resp.: C
02) Fedro trasmite a ideia de que basta o orador criar uma aparência de verdade para ter um bom discurso (relação entre discurso e verdade), o que é questionado por Sócrates.
Resp.: D
03) Em todas as orações apresentadas, o pronome relativo que funciona como sujeito do verbo.
Resp.: A
04) No diálogo apresentado, a palavra hábil é empregada por Sócrates para se referir ao tipo de discurso a que Fedro se refere, ou seja, aquele que consegue convencer (ainda que para isso use de falsidades).
Resp.: E
05) As palavras em destaque podem ser substituídas (sem perda relevante do sentido) por , respectivamente, a resultados – produzir – prescreveu. Sócrates se refere aos efeitos que a retórica sofística pode ocasionar aos ouvintes.
Resp.: B
VEJA TAMBÉM:
– Questão discursiva resolvida sobre interpretação textual, da Fuvest 2017
– Questão resolvida sobre interpretação textual (a busca por vida fora da Terra), da Unicamp 2015